Publiquei na quinta, 24, o ocorrido na “mesa de negociação” da educação naquele mesmo dia. O governo apresentou os critérios individuais de pontuação para receber o Prêmio de Desempenho da Educação (PDE) pago anualmente aos trabalhadores lotados em SME. Quero refletir com os servidores municipais de São Paulo alguns pontos que dizem respeito a nossa relação de empregados com o nosso patrão (governo) e a mediação representada pelo sindicato.
Gratificações x salários
O governo Kassab tem adotado Secretaria após Secretaria, a política de criar gratificações ao invés de um reajuste geral para todos os trabalhadores. Isso tem criado a situação absurda de termos um piso (o dos Agentes de Apoio) em torno de R$ 440,00, o que equivale a apenas 80% do valor do salário mínimo. Em 2003 esse valor equivalia a mais de duas vezes o valor do piso nacional (para ler mais clique aqui). Com uma política de reajuste geral de 0,01% contra uma inflação acumulada superior a 33% desde 2005 (IBGE), significa perda de um terço do poder de compra. Os planos de carreira que deveriam se prestar a valorizar o servidor acabam por apenas reduzir as perdas inflacionárias. Virou um calaboca como estratégia governista para reduzir tensões e risco de greve em tempos de inflação baixa. Mas, das estratégias governistas, pagar gratificações ao invés de salários, se tornou uma das mais bem sucedidas, principalmente por sua capacidade de dividir a categoria. Cada gratificação atende a um segmento que abandona a luta dos servidores na campanha salarial pelo reajuste linear e passa a brigar por suas necessidades momentâneas. E das perversidades embutidas nas gratificações, a pior fica com a exclusão dos aposentados. Quando os aposentados da educação ganharam na justiça a extensão da GDE (Gratificação de Desenvolvimento da Educação) pelo direito à paridade, Kassab imediatamente extinguiu o GDE na Câmara e criou o PDE. Gratificação virou Prêmio, o G virou P e o aposentado até hoje não recebe nada. No Governo do Estado de São Paulo, a prática de gratificações aprimorada ao longo de quase duas décadas leva os servidores estaduais abdicarem da aposentadoria para não amargarem perda de metade dos vencimentos que deixam de receber por não se tratar de salário. Se a linha de Kassab permanecer, nosso destino será o mesmo.
A inflação aumenta e a arrecadação da Prefeitura também. No último ano de Marta a receita prevista era de 14,3 bilhões de Reais contra 34,6 bi em 2011 à disposição de Kassab. Com uma receita quase duas vezes e meia maior, graças ao crescimento econômico do Brasil e ao boom imobiliário na cidade (leia mais aqui), reajustes somente aconteceram na educação e na guarda civil, e mesmo assim, após greve dessas categorias. Em 2006, após 17 dias de greve, a educação conseguiu um acordo de gratificações em 2007 que foram incorporadas em reajustes anuais em torno de 8% anuais de 2008, 2009 e 2010, com acordo renovado e que na Câmara virou novos reajustes de 10% (ao ano) de 2011 a 2013. Mas de forma alguma, esses reajustes refletem o crescimento da receita da cidade. Na verdade, a opção de Kassab por reajustes anuais além de evitar o risco de novas greves, é o que lhe resta como opção, pois a lei lhe obriga a gastar uma parte da receita carimbada da educação com salários. O que Kassab tem feito é atender o mínimo para não ter suas contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas.
Negociação ou enrolação?
Uma cidade cada vez mais rica com servidores cada vez mais pobres. Essa afirmação não é exagerada. Eu já apresentei os números da receita da cidade (aumento de 142%). Segundo os números do PNAD entre 2004 e 2009, a renda real média do trabalhador brasileiro cresceu 20%, ou seja, aumento nos salários, descontando-se a inflação. Os servidores municipais de São Paulo parecem viver a realidade de outro país com os reajustes de 0,01%. Como demonstraram os servidores da educação e da guarda civil, a greve ainda é o melhor instrumento de negociação do trabalhador. Aliadas às estratégias do uso do plano de carreira para cobrir perdas e das gratificações para dividir os trabalhadores sem dar reajuste, estão as mesas de negociação (central e setoriais) de Kassab. Via de regra, elas não têm regras definidas, não têm ata, não têm nem a pauta a ser negociada. As pautas encaminhadas no começo do ano pelas entidades não coincidem necessariamente com a que o governo discute a cada encontro. Nada é negociado além de uma margem mínima predisposta pelo governo. Com alguma pressão, como fizeram os trabalhadores do nível superior na discussão do seu PCCS, foram possíveis pequenas mudanças de maior importância na proposta inicial.
A última mesa de negociação da educação deixou clara a essência desse jogo de cartas marcadas. Em 2010, SME passou o ano inteiro sem mesa, abrindo as “negociações” em outubro. Em novembro, o acordo solicitado pelo governo com as entidades foi de encerrar as conversas sobre o PDE, deixando o debate para 2011 com mais tempo e fôlego. Na “negociação” de quinta passada, a surpresa para as quatro entidades presentes foi generalizada. A proposta estava pronta, valendo para 1º de março, e, pasmem, não estava posta para negociação. Os representantes do governo assumiram a culpa por não saberem em 2010 que o Secretário, novamente, não negociaria nada dos critérios individuais. Ao romper com um acordo proposto por ele próprio, o governo expõe a já frágil credibilidade dessas mesas de negociação. A verdade é que nesses anos, o governo tem definido sua política com bastante liberdade, e ainda, tenta se utilizar das entidades para referendar suas iniciativas como se fossem negociadas com os trabalhadores. Creio que temos de escancarar, explicitar, denunciar e publicizar a postura do governo nessas chamadas “mesas de negociação”. Esse debate tem de acontecer com a categoria em cada entidade. Afinal, perdemos a capacidade de negociação, abrindo mão dos mecanismos verdadeiros de pressão, como as manifestações, paralisações e greves?
A postura do SINDSEP na quinta-feira foi de não negociar os critérios coletivos caso não se reabra a discussão dos critérios individuais. Sequer há garantias de que haverá negociação do Decreto que definirá as regras complementares. Se houver, a negociação da parte será utilizada por SME para anunciar o referendo dos sindicatos ao PDE 2011.
O PDE e o desconto das licenças médicas
O que mais pega para os trabalhadores no PDE é o desconto dos dias de licença médica. Já ouvi colegas defenderem o constatação de Serra e depois de Kassab, de que havia muita licença médica. Por trás dessa defesa existe uma insinuação de que o servidor usa de má fé para sair de licença médica e se furtar do trabalho. Temos então um problema sério para resolver que qualquer bom gestor não pode supor que a solução é um desconto em dinheiro. Se há muitas licenças médicas na prefeitura, a primeira investigação que se deve fazer é sobre as condições de trabalho e sobre as doenças ocupacionais. Se um Prefeito suspeita haver fraude em um de seus serviços, é sua obrigação investigar. Se há fraudes ou falhas nos procedimentos de perícia do DSS, cabe ao Prefeito botar o dedo na ferida. O caminho mais fácil, punindo quem se utiliza de licença médica é um atestado de ingerência e incompetência administrativa. Quem paga a conta é aquele que adoece, muitas vezes pelas próprias condições de trabalho, inclusive aqueles que um dia concordaram com a ideia.
Campanha Salarial
Enquanto Kassab deita e rola, cabe a nós perceber que somos uma categoria só: servidores públicos municipais. Todos sujeitos às mesmas estratégias de divisão, controle e manipulação. Não há outra ferramenta de luta legal além da organização sindical. Se for inventada uma real alternativa, pode ter certeza que não será criação dos empregadores. 2011 começou e o que está posto pelo governo já sabemos e não esperem novidades. Gratificação do Nível Básico e Médio (com perda das gratificações atuais), reajuste de 2,18% para o HSPM, 10,34% para a Educação. O resto, deve ficar rodando, de mesa em mesa, sem negociação, até que os servidores cansem de esperar. Não adianta chorar. A hora é de arregaçar as mangas, participar dos sindicatos, cobrar os debates e partir para a organização, mobilização, e se necessário, greve. Ou, se a aposentadoria ainda for a opção, poderemos chorar pelo que deixamos de fazer.
PARA REFLETIR:
DESPERTAR É PRECISO
Na primeira noite eles se aproximam colhem uma flor do nosso jardim e não dizemos nada.
Na segunda noite, Já não se escondem; pisam as flores, matam o nosso cão, e não dizemos nada.
Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada.
Vladimir Maiakóvski
Vladimir Vladimirovich Mayakovsky(Влади́мир Влади́мирович Маяко́вский) (1893 - 1930) foi um dos poetas mais representativos do Futurismo Russo.
E NÃO SOBROU NINGUÉM
Primeiro, os nazistas vieram buscar os comunistas, mas, como eu não era comunista, eu me calei. Depois, vieram buscar os judeus, mas, como eu não era judeu, eu não protestei. Então, vieram buscar os sindicalistas, mas, como eu não era sindicalista, eu me calei. Então, eles vieram buscar os católicos e, como eu era protestante, eu me calei. Então, quando vieram me buscar... Já não restava ninguém para protestar.
Martin Niemoller
(Martin Niemoller - pastor luterano, preso no campo de concentração de Dachau – de 1939 a 1945 – e libertado pelas tropas aliadas).
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