quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Paulo Teixeira: Voto distrital deforma a vontade popular

Reforma política para ampliar e consolidar a democracia

por Paulo Teixeira [no Viomundo]

O  sistema eleitoral brasileiro, que vem sendo construído e aperfeiçoado desde a aprovação da Constituição de 1988, contém grandes virtudes, como o voto proporcional para a eleição dos parlamentos, garantia da natureza plural dos diferentes níveis das casas legislativas. Tem a distribuição proporcional do tempo nos meios de comunicação destinado a programas políticos e eleitorais, segundo o tamanho das bancadas partidárias, dispositivo que procura assegurar equidade nas disputas. Conta também com o sistema de votação e apuração eletrônica dos votos e, futuramente, com o  sistema de identificação eletrônica de cada eleitor na hora de votar, instrumentos que garantem rapidez e segurança dos processos eleitorais. Podem-se destacar ainda o direito de voto dos analfabetos, o direito de voto dos jovens maiores de 16 anos,  além de várias outras conquistas democráticas.

Mas, além das virtudes, este sistema contém vícios: ele permite o uso e o abuso do poder econômico nas eleições, tolerando assim, com prejuízo para a democracia, que o poder do dinheiro deforme a expressão da vontade popular. O sistema não dispõe de uma lei que estabeleça a fidelidade partidária e as tentativas de estabelecer esta fidelidade através de precárias decisões judiciais tê   m se revelado ineficazes, permitindo assim a existência de partidos frágeis, porque estimula o individualismo, expresso na intensa migração de eleitos entre legendas. O sistema para realização de eleições para o Legislativo, na medida em que privilegia as campanhas individuais, feitas com inserções breves e esparsas no rádio e na TV, torna o processo extremamente confuso; na prática impede um debate racional e faz com que o eleitor disponha de pouca informação para decidir seu voto.

Outro vício grave do sistema eleitoral é a permissão para se fazer todo tipo de aliança nas eleições legislativas; se o objetivo da eleição é verificar a força de cada partido na sociedade, a permissão de alianças para eleições legislativas impede a realização de uma aferição precisa, abre espaço para o surgimento de legendas de aluguel, desprovidas de programa e de ideologia, o que cria dificuldades para a governabilidade e a condução correta dos negócios do Estado.

O PT sabe que o diagnóstico acima alinhavado não esgota todas as virtudes nem todos os vícios do sistema eleitoral. Sabe que existem outros problemas e está disposto a discuti-los. Para enfrentar as questões acima apontadas, consciente de que o parlamento é o lugar das mediações, tem várias propostas, como o financiamento público exclusivo de campanha, contra o abuso do poder econômico. O partido defende também o voto em listas partidárias, para evitar o baixo teor programático dos partidos e o personalismo que caracteriza a política brasileira. Da mesma forma, preconiza estímulos à representação feminina e de negros no três níveis de representação legislativa.  Devemos nos espelhar no exemplo do PT que, em seu IV Congresso Nacional , decidiu que os cargos de direção do partido serão divididos meio a meio entre homens e mulheres.

Importante também o aperfeiçoamento dos mecanismos de democracia participativa. A democracia demanda participação da sociedade, do que resulta uma outra alteração estrutural de nossa rotina política e eleitoral: o aprofundamento da participação popular em processos de consulta sobre temas essenciais à Nação.   A nossa Constituição não prevê, por exemplo, o uso da Internet para a coleta de assinaturas para apresentação de projetos de lei oriundos da sociedade. Precisamos fazer esta alteração. O sistema pode ser usado também para referendo e plebiscitos, mecanismos utilizados com frequência nas democracias mais modernas. Tais mudanças atraem a sociedade para uma participação mais intensa na política.

No que diz respeito às virtudes acima citadas, o PT advoga a defesa intransigente de todas elas. Mas faz questão de ressaltar que os tucanos miram na conquista democrática do voto proporcional, garantia de pluralidade e de democracia. Eles propõem para substituir a proporcionalidade um vago voto distrital. Esta proposta é sempre apresentada com argumentos nebulosos e mistificadores. Tipo maior proximidade entre o eleito e o eleitor. Se os tucanos estão isolados de suas bases é por opção. A internet permite uma intensa interação entre o eleitor e o eleito, a menos que o eleito prefira se encastelar em Higienópolis e falar só com “gente diferenciada”.

Em verdade, os tucanos e sua imprensa não querem um verdadeiro debate sobre o distrital, talvez porque saibam que este sistema produz uma assimetria entre o número de votos populares conquistados por um partido e o número de cadeiras obtidas por aquele partido. No limite, ele permite que um partido minoritário na sociedade seja majoritário no parlamento, o que subverte totalmente a noção de democracia. Vale lembrar que este sistema produz um bipartidarismo artificial que está longe de poder refletir a complexidade das sociedades modernas. A título de ilustração do funcionamento do sistema distrital cito um exemplo cabal de deformação da expressão da vontade popular. Falo das eleições no Canadá em 1993, cujo placar foi o seguinte:

Votos             Cadeiras

Partido Conservador                        16%                    02

Bloco de Quebec                               13,5%                 54

Partido da Nova Democracia      6,9%                  09

(Jairo Nicolau – Sistemas Eleitorais – página 18)

O mesmo Jairo Nicolau lembra que, no Reino Unido, ao longo do pós 2º Guerra Mundial, o Partido Liberal Democrático foi sistematicamente prejudicado. Nas eleições deste período ele conquistou em média 12,5% dos votos, mas ficou com apenas 1,9% das cadeiras. O normal é que o percentual de voto de cada partido guarde pelo menos semelhança com número de suas cadeiras no parlamento.

Acontece que em qualquer campo, da economia à política internacional, passando pela reforma política, os tucanos não têm como travar um debate racional e recorrem às falsificações, às mistificações, aos amálgamas e às acusações carregadas de preconceito e ódio. Buscam, na cacofonia produzida por meios de comunicação mais interessados em desinformar do que discutir racionalmente a agenda do País, uma tábua de salvação para sua nau dos insensatos, felizmente cada vez menos habitada.

Este fato está ficando tão evidente que até o insuspeito jornal Valor Econômico pôde dizer em seu editorial (05/10/2011): “Uma oposição forte, repita-se, é fundamental para a consolidação da democracia. É assim que ela pode credenciar para a alternância no poder, como se credenciou o PT após quatro eleições, um partido solidário, apesar de sua infinidade de tendências internas. Enquanto as veleidades pessoais de seus líderes estiverem acima dos projetos de Nação, dificilmente o PSDB poderá agregar apoios para se tornar uma alternativa de poder sério aos olhos da sociedade.”

Outras questões, como o papel do Senado e o sistema de eleições de suplentes de senadores também merecem a atenção dos partidos e do parlamento.

Aqui examinamos mais detidamente apenas as quatro questões centrais que têm mobilizado o parlamento e, sem subestimar a importância de outros temas, destaco sugestões concretas de mediação contidas no relatório apresentado, com o aval do PT e de outras forças políticas, pelo deputado Henrique Fontana (PT-RS):

A proposta de reforma política apresenta dois eixos principais, tratados mediante projeto de lei: o financiamento público exclusivo de campanha e a modificação de regras do sistema eleitoral.

No entanto, há temas que requerem alterações na Constituição Federal: a vedação das coligações em eleições para o legislativo, alteração da data da posse em cargos do Poder Executivo, alterações das regras de suplência de senadores, a simplificação de requisitos de apresentação de projetos de lei de iniciativa popular e alteração das regras de domicilio eleitoral em eleições municipais. Essas matérias serão tratadas por meio de PECs.

No que diz respeito aos dois projetos de lei, começaremos citando aspectos principais daquele que trata do financiamento público de campanha:

1)  O financiamento das campanhas será realizado por meio de um fundo criado com esse  fim específico, que receberá aportes de recurso do orçamento da União, admitindo também aportes de pessoas físicas e jurídicas.

2)  As campanhas serão financiadas exclusivamente com recursos desse fundo, sendo vedada a contribuição de pessoas jurídicas e físicas diretamente a partidos ou candidatos.

3) O montante dos recursos públicos destinados ao fundo de financiamento das campanhas será proposto pela Justiça Eleitoral, podendo o Congresso Nacional ajustá-lo, por ocasião de feitura do orçamento.

No projeto que trata de criar o sistema eleitoral proporcional-misto com dois votos, cabe destacar os seguintes pontos:

1)  O sistema eleitoral proposto mantém o critério da proporcionalidade de votos obtidos em relação ao número de cadeiras em disputa. Neste contexto não se fazem necessárias alterações por meio de PEC, bastando alterações no Código Eleitoral.

2)O partido apresentará aos eleitores uma lista preordenada de candidatos, elaborada em conformidade com regras que fortalecem a democracia interna nos partidos.

3) O eleitor disporá de dois votos. No primeiro voto (legenda), o eleitor escolherá a lista do partido de sua preferência. No segundo voto, o eleitor votará diretamente no candidato, sem vinculação obrigatória com a legenda escolhida no primeiro voto.

4)  Serão mantidas as fórmulas de cálculos dos quocientes eleitoral e partidário.

5)  Metade das cadeiras obtidas pelo partido será preenchida por candidatos das listas partidária, conforme a ordem definida previamente. A outra metade será preenchida conforme a ordem decrescente da votação nominal dos candidatos.

Reafirmo a disposição da bancada do PT de buscar mediações em busca de uma reforma política democrática. Mas recusando energicamente as acusações malévolas segundo a qual o PT propõe reforma política em interesse próprio para perpetuar-se no poder. Nada disso, o PT propõe uma reforma para aperfeiçoar a democracia, apresenta com clareza os defeitos do atual sistema, defende suas virtudes, mas lembra que venceu três eleições gerais neste sistema. A história tem mostrado que o PT está apto a vencer em qualquer campo.

Paulo Teixeira é deputado federal (PT-SP) e líder do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados

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