domingo, 28 de novembro de 2010

Força, Rio! (matéria completa da IstoÉ)

Blog Leituras Favre:

Força, Rio!

A reação dos cariocas: a população dá apoio às ações do governo, que enfrentou com força e inteligência os ataques do tráfico. O crime organizado não se conforma com o sucesso das Unidades de Polícia Pacificadora

Francisco Alves Filho e Wilson Aquino – ISTOÉ

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TERÇA-FEIRA,
23 de novembro Carro incendiado em avenida no centro da cidade.
Bombeiros combatem o fogo

O estado responde ao crime

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QUINTA-FEIRA,
25 de novembro Blindados da Marinha se unem
à PM para garantir a retomada da Vila Cruzeiro

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GUERRA
Policiais do Bope entram na Vila Cruzeiro e traficantes
fogem em debandada para o Complexo do Alemão

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Com um tiro certeiro de cidadania e autoridade, o governo do Rio de Janeiro conseguiu finalmente alvejar um inimigo que há décadas aterroriza a população do Estado. O tiro tem nome e sigla: Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs, projeto de policiamento comunitário que já resgatou nos últimos dois anos mais de 300 mil favelados do mundo de terror instaurado historicamente pelos traficantes de drogas. O inimigo que foi gravemente ferido é o crime organizado. Ao instalar as UPPs em favelas, o governador Sérgio Cabral rompeu com a ordem até então vigente nas comunidades carentes: a violência dos bandidos é que determinava o que podia ou não ser feito. As armas eram a lei e o crime organizado detinha o controle territorial. Isso acabou nas 12 comunidades pacificadas até agora, atingindo diretamente a receita do narcotráfico. Na semana passada, a reação veio forte e orquestrada. Do domingo 21 até a quinta-feira 25, o Rio viveu dias de pânico. Através de arrastões e atentados que atingiram sobretudo o patrimônio privado e público, com carros particulares e ônibus urbanos queimados (cerca de 100), cabines da Polícia Militar metralhadas (três PMs feridos até a tarde da sexta-feira 26) e falsas ameaças de bombas, os criminosos impuseram um onda de terror sobre toda a população, no momento em que a Cidade Maravilhosa se prepara para eventos como a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016.

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BLINDADOS
Dão segurança ao Bope

O carioca foi pego de surpresa, mas, ao contrário do que ocorre há décadas, desta vez o governo estava preparado. Tinha a sua disposição um serviço de inteligência capaz de se antecipar e uma política de enfrentamento estrategicamente definida, em que não cabe negociação com o tráfico. “Já esperávamos que os criminosos reagissem às UPPs e isso é a prova de que estamos no caminho certo”, diz o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame. Um dos primeiros sinais captados pelo Estado de que o tráfico partiria para ações terroristas veio com a informação de que estava se consumando a união entre duas facções criminosas: Comando Vermelho (CV) e Amigo dos Amigos (ADA). Dias antes do início dos atentados, o Serviço de Inteligência instalado no terceiro andar do edifício da Secretaria de Segurança havia detectado que uma leva de marginais da facção Amigo dos Amigos se deslocara até o Complexo do Alemão, base do Comando Vermelho. Antes numa relação de gato e rato, agora essas duas facções se tornavam carne e unha para sangrar a população. O Serviço de Inteligência descobriu que os visitantes pernoitaram no novo endereço, ou seja, uma aliança estava se formando. Claro que ela iria agir militarmente para forçar o governo a uma negociação política que restringisse a presença de UPPs nos morros. Não funcionou.

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Na quinta-feira o governo reagiu. Com o apoio logístico e de nove blindados da Marinha, o Bope subiu as estreitas ruas da Vila Cruzeiro, no complexo do Alemão, uma região controlada pelo tráfico e onde estava instalado o QG da bandidagem que desde o domingo barbarizava o Rio. Capitães Nascimento – não o do filme mas aqueles que dão e levam tiro de verdade – eram aplaudidos por onde passavam, numa rara manifestação de apoio da população às suas forças policiais. Bandido, quando assalta, diz à sua vítima: “Perdeu!” Dessa vez, foi como se os cariocas, ao apoiarem francamente o governo (só na quinta-feira foram mais de mil ligações ao disque-denúncia, recorde absoluto desde a sua criação em 1995), falassem em coro: “Vocês perderam!”. Diante do avanço policial, os traficantes fortemente armados fugiram desesperados como quem foge de um tsunami – no caso, um tsunami de autoridade e cidadania, que começou a mudar as regras do jogo imposto nos morros cariocas há mais de três décadas.

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Assim como a população do Rio foi surpreendida pelos ataques promovidos covardemente pelo tráfico, os traficantes também foram pegos de surpresa pela reação policial, que tinha conhecimento prévio do que estava para ocorrer. “Eu estou aqui aguardando a UPP: a bala vai comer sério”, dizia uma carta ameaçadora apreendida no Presídio Federal de Catanduvas, no Paraná, onde chefões do narcotráfico cumprem pena e para o qual foram sumariamente enviados todos os 192 presos na última semana, sob a acusação de promoverem os atentados. Se o objetivo da bandidagem era provocar uma negociação, o tiro saiu pela culatra. “Não tem negociação. Acordo com traficante é cadeia”, disse à ISTOÉ o governador Sérgio Cabral. Esse está sendo de fato o destino dos narcotraficantes e, para isso, o governo vale-se sobretudo de seu Serviço de Inteligência. Munido de 15 computadores destinados exclusivamente a interceptações telefônicas e de outros dois que armazenam mil horas de vídeo em alta definição e um milhão de diálogos gravados, o Serviço de Inteligência tem hoje a capacidade de cruzar dados com precisão, descobrindo novos traficantes e suas andanças pelos morros.

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ISOLADOS
Na sexta-feira 26, dois traficantes tentam intimidar
na favela da Grota, no Complexo do Alemão

No campo das diversas táticas que formatam tal estratégia, pontualmente na semana passada foi montado um Centro de Gestão de Crise no 22º Batalhão da PM, no Complexo da Maré, na zona norte. Na segunda-feira 22 um grupo de 12 autoridades passou a traçar os planos de ação naquela unidade. Após 48 horas e com o comandante-geral da PM, Mário Sérgio Duarte, e o chefe de Polícia Civil, Allan Turnowski, sentados à mesa de decisões, uma tonelada de possibilidades de combate aos atentados foi pesada e ponderada. Restou uma na balança: o pedido de apoio à Marinha. A ideia nasceu depois da análise do material enviado pelo Serviço de Inteligência e foi levada ao secretário Beltrame. Depois de uma reunião de quatro horas, o plano foi apresentado ao governador. Ele o chancelou. Por volta da meia-noite da quarta-feira 24, um ofício foi enviado ao Comando da Marinha para propor oficialmente a parceria e, no dia seguinte, nove blindados dos Fuzileiros Navais transportaram centenas de policiais para dentro da Vila Cruzeiro – a mesma onde, em 2002, foi incinerado vivo por traficantes o jornalista Tim Lopes.

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A invasão e a ocupação da Vila Cruzeiro foram o ápice da reação do governo estadual milimetricamente planificada e harmonicamente casada com o governo federal e o Poder Judiciário. Primeiro, a transferência de presos para isolar os líderes criminosos – isso se chama cortar a cabeça da cobra, ou seja, o corpo do réptil continua se movendo e se debatendo, mas ele já não enxerga. Depois, a segunda providência foi mandar na hora os novos presos também para presídios federais – se ficassem no Estado, fatalmente haveria rebeliões nas cadeias. Finalmente, chegou-se à etapa de tomar o quartel-general do terror. Todo esse conjunto de ações levou 96 horas, a contar do domingo, quando os atentados começaram a se disseminar. Nesse dia o aposentado Paulo César Albuquerque, 64 anos, sua mulher, Maria de Lourdes, 53, e seu neto Henrique, 10, passavam pela Linha Vermelha quando perceberam uma estranha movimentação e intuíram o que estava por acontecer. Mulher e marido imediatamente retiraram de seus dedos as alianças que os acompanham há um quarto de século e as esconderam sob um dos bancos do carro. “Um cara com arma na mão estava na pista e disse que era assalto. Havia três outros homens assaltando pessoas”, diz Albuquerque. Eles foram retirados do carro e assistiram, perplexos e indefesos, aos bandidos atearem fogo ao automóvel. “Assim que o fogo foi controlado, voltamos para ver o que tinha sobrado e achei a bolsa e as alianças. A minha estava inteira, mas a dele…”, diz a esposa, mostrando o anel derretido do marido. Em outro ponto da cidade, na Tijuca, a corretora de seguros Daniele Toledo, 36 anos, foi outra a ser atingida pelos marginais. Quando se preparava para dormir, ouviu gritos: “Dani, estão tocando fogo no seu carro.” Ao sair à janela viu uma garrafa pet em chamas sobre a mala traseira de seu Clio Renault. “Vesti um roupão, peguei um balde com água e fui para a rua. Quando cheguei, vi dois rapazes numa motocicleta e ouvi quando um deles falou para a vizinha que estava na janela: agora pode chamar os bombeiros.” A sensação de desamparo se apoderou de Daniele, ela sentou-se no chão da cozinha de sua casa e chorou, chorou, chorou: “Estou à base de calmantes, entrei em paranoia.”

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“É muito importante que o ambiente físico seja normalizado o mais rapidamente possível”, diz o psicólogo Christian Kristensen, pesquisador do Núcleo de Estudos em Trauma e Estresse da PUC do Rio Grande do Sul. “As pessoas ficam com sentimento de vulnerabilidade”, diz a psicóloga carioca Marcele de Carvalho, do Centro Psicológico de Controle do Stress. Para o sociólogo Renato Lima, secretário-geral do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Rio sofre com um esquema tático de guerrilha que foi adotado pelos traficantes. Diz ele: “O que está acontecendo são reações esperadas. Diante de uma restrição de seus territórios, o crime reage para provocar o pânico e desestabilizar a polícia, numa tentativa clara de criar acordos.” Ele acredita que o governo deva continuar a investir pesado na análise de informações como uma medida de prevenção ao crime organizado: “O Estado não pode retroceder.” Era justamente isso que tinham em mente os comandantes da polícia quando planejaram a maior operação da história da polícia carioca, a tomada da Vila Cruzeiro, com um contingente de 500 homens. Ao fim do dia, a comunidade, tida como reduto intocável do tráfico, voltou para as mãos do Estado. “Pertence a quem mora nela”, disse o delegado Rodrigo de Oliveira, diretor da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), a unidade de elite da Polícia Civil.

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BALAS PERDIDAS
Moradores se desesperam e policial toma posição no Jacarezinho

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ALVO
Daniele teve seu carro queimado pelos criminosos
na frente de casa, no bairro da Tijuca

A Vila Cruzeiro se transformara em QG dos bandidos porque uma infinidade de traficantes expulsos dos morros nos quais foram instaladas UPPs se refugiaram no Complexo do Alemão (engloba cerca de 40 favelas). Nele, estima-se que pelo menos 600 bandidos viviam armados até os dentes – como são aproximadamente 400 mil moradores, subtraiam-se esses 600 e temos a esmagadora maioria da população local que sacoleja no trem para ir e voltar do trabalho honesto. O apoio da Marinha foi determinante. Ao lado dos policiais militares, os fuzileiros navais apontavam armas na direção do morro e também eram eles que guiavam os blindados especiais M113, semelhantes aos vistos na guerra do Iraque. Enquanto o barulho dos tiros indicava que uma guerra era travada no morro, no asfalto o clima era de curiosidade, perplexidade e medo – ou tudo junto. Lojas, bancos, postos de gasolina e lanchonetes foram fechados. Nas ruas poucos automóveis circulavam e o que se via era um desfile de tanques, carros de combate e blindados da polícia – os já conhecidos “caveirões”. Enquanto algumas pessoas corriam apavoradas tentando se proteger do fogo cruzado, outras caminhavam em direção aos pontos de concentração dos policiais e fuzileiros como se fossem assistir a um espetáculo. “Meu filho pediu para ver o que estava acontecendo e eu o trouxe”, contou com tranquilidade a dona de casa Rachel Nigri, 45 anos, ao lado do pequeno Guilherme, 8. Ela mora na região há mais de três décadas e se diz acostumada aos conflitos entre traficantes e policiais. “Estou torcendo pela implantação de uma UPP na comunidade.” Ao longo do tempo em que durou o tiroteio, a estudante Aline da Silva, 16 anos, filmou toda a ação com o celular. “Moro na favela há cinco anos e a presença da Marinha é uma boa novidade”, disse ela.

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TERRITÓRIO
O secretário de Segurança, José Mariano Beltrame,
diz que a polícia não sairá mais das zonas atacadas

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Não foi somente a parceria entre polícia e Forças Armadas que marcou a reação das autoridades. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva atendeu prontamente aos pedidos do governador Sérgio Cabral: a Polícia Federal cedeu 300 homens e as Forças Armadas, outros 800 que na sexta-feira cercaram o complexo do Alemão, para onde haviam fugido os traficantes da Vila Cruzeiro. “Os traficantes faziam as barbaridades e corriam para os seus redutos, protegidos por armas. É importante prender essas pessoas, mas o vital é retirar-lhes o chão. Ficam vulneráveis quando rompemos o muro que os protege”, diz o secretário Beltrame. “O Estado está se afirmando de uma maneira que me parece adequada, o Rio está mostrando que é forte”, diz o procurador Denílson Feitoza. “A presença da polícia nas comunidades é muito importante, porque cria a base para políticas sociais.” Mesmo após a enérgica reação policial, os bandidos insistiram em atentados na sexta-feira, fato que era esperado pelo próprio Serviço de Inteligência e pelo Centro de Gestão de Crise. Da mesma forma, também era aguardado que eles começassem a demonstrar certo grau de desarticulação. A socióloga e ex-diretora da Secretaria Nacional de Segurança Pública Jacqueline Muniz acredita que as ações do governo são corretas na medida em que ele conta com a capacidade de saber o que o inimigo está planejando. “Os atos de terrorismo se beneficiam da surpresa e aleatoriedade. O poder público tem de reagir com previsibilidade e regularidade de ações”, diz ela. A rigor, o Estado antecipar-se às ações do terror ou “fingir taticamente” que não sabe que elas vão acontecer para trazer a seu favor o “fator surpresa” é vital para a eficácia da repressão. O governo está fazendo a sua parte e a população o aplaude. Tem, no entanto, de ir além do bater palmas. Não é nada raro que pessoas de classe média e classe média alta consumam drogas e considerem que o dinheiro que dão em troca seja diferente, por exemplo, do dinheiro que o favelado ou o bandidos usam para se drogar. Ilusão. Ou seja: é como se falassem, valendo-se simbolicamente de uma redoma de assepsia social, “eu uso drogas de forma recreativa e nada tenho a ver com o financiamento do narcotráfico”. Tem a ver, sim. Vale, portanto, refletir no que diz taxativamente o secretário Beltrame: “Quem consome drogas financia o tráfico e joga contra os nossos objetivos.”

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